O artigo 156, inciso III, da Constituição Federal estabelece a competência dos Municípios para instituir o Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza, cabendo à lei complementar definir quais
os serviços abrangidos pela sua incidência.
Importante frisar que com base no texto constitucional o imposto municipal somente poderia incidir sobre serviços.
Nos termos doartigo 1º, da Lei Complementar nº 116/2003, o critério material da hipótese de incidência do ISSQN é a prestação de serviços constantes de sua lista anexa.
E a Franquia (franchising) está elencada no item 17.08 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
Assim, a referida lei traz a franquia como sendo um serviço sujeito à incidência do ISSQN.
Contudo, a franquia
não se enquadra na materialidade do imposto municipal, tendo em vista
não se tratar de uma prestação de serviço.
A Lei nº 8.955/1994 ao disciplinar os contratos de franquia define em seu artigo 2ºque:
"Franquia
empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o
direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição
exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente,
também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de
negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo
franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no
entanto, fique caracterizado vínculo empregatício."
A referida lei em seu artigo 3º,
incisos VII e VIII, estabelece que na oferta de franquia devam estar
especificados todos os valores envolvidos, quais sejam: o valor total do
investimento necessário à aquisição, implantação e entrada em operação
de franquia, o valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia, o
valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial, a
remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos
serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties),
o aluguel de equipamentos ou ponto comercial, a taxa de publicidade ou
semelhante, o seguro mínimo e outros valores devidos ao franqueador ou a
terceiros que a ele sejam ligados.
Analisando a
legislação pode-se afirmar que o contrato de franquia é um contrato
misto que envolve diversas obrigações, tendo como objeto principal a
cessão do direito de uso da marca ou patente, associado ao direito de
distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços, sendo
que as demais obrigações instituídas estão intrinsecamente vinculadas à
obrigação principal, pois são obrigações complementares para obtenção do
uso exclusivo e em conformidade com a marca.
Note-se que a
franquia empresarial envolve sim serviços, como é o caso, por exemplo,
da publicidade, mas certo é que na hipótese não há prestação de serviço
do franqueador para o franqueado. Na realidade, o franqueador utiliza os
valores recebidos a esse título para pagamento das empresas prestadoras
de serviços de publicidade da marca, serviços estes devidamente
tributados pela empresa prestadora.
Assim, considerando
ser o objeto principal do contrato de franquia a cessão do direito de
uso da marca ou patente, não é devida a incidência do ISSQN sobre tais
contratos, por não se tratar de uma prestação de serviço.
A prestação de
serviço é aquela em que a empresa prestadora é contratada para
desenvolver a atividade, com esforço humano, para o tomador que tem a
obrigação de remunerá-la pelo serviço prestado, restando caracterizada
uma obrigação de fazer.
O contrato de
franquia, apesar de muitas vezes envolver obrigações de fazer, estas
tidas por acessórias, não se sobressaem sobre o objeto principal do
contrato, que é a cessão do direito de uso da marca.
Tal afirmativa se
confirma pelo fato de que não há contrato de franquia sem a cessão de
direito de uso da marca, pois esta é a sua característica essencial que o
distingue dos demais contratos.
Nesse sentido são os
ditames contidos no artigo conjunto de Alessandro Mendes Cardoso e
Rafael Santiago Costa, conforme se verifica:
"Parece não haver
dúvidas de que as obrigações decorrentes de um contrato de franquia vão
muito além da "conduta humana consistente em desenvolver um esforço em
favor de terceiro, visando a adimplir uma obrigação de fazer". Ainda que
sejam inerentes à franquia determinados esforços humanos, tais como a
prestação de consultorias eventuais e a concessão de treinamentos, esses
não são os objetivos principais visados pelas partes. A utilização da
marca e know how do franqueador pelo franqueado se sobressaem sobre
aquelas atividades.
Tanto que a primeira característica constante do conceito legal do
contrato de franquia é apresentada da seguinte forma "é o sistema pelo
qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso da marca ou
patente" (art. 2º da Lei nº 8.955/1994).
A complexidade do contrato de franchising é inconteste, não sendo
possível ao legislador se ater a certas atividades a ele inerentes (de
importância muitas vezes secundária) para justificar a incidência dos
ISS, sob pena de desconfiguração do conceito de serviço e da própria
natureza da franquia."
Quando o franqueador
se obriga a ceder o direito do uso da marca ao franqueado, não se
vislumbra uma obrigação de fazer, mas sim uma obrigação de dar um bem
imaterial.
Portanto, evidente que a relação jurídica existente entre o franqueador e franqueado não é de prestação de serviço.
Traçando um paralelo, Hugo de Brito Machado, ao discorrer sobre a cessão do direito de uso, assim leciona:
"Não importa que a
locação de bens móveis seja diferente da cessão do direito de uso de
qualquer bem, material ou imaterial. O que importa é que em qualquer
desses negócios jurídicos não se vislumbra um fazer, mas um dar. Nenhum
deles, portanto, consubstancia serviço. Nenhuma dessas atividades pode
estar sujeita ao ISS."
Assim, a cessão do
direito de uso da marca não se confunde com a atividade de prestar
serviços, que se qualifica pela atuação do prestador em favor do
tomador, objetivando especificamente o desenvolvimento de uma atividade
certa para o contratante (obrigação de fazer).
Como a referida lei
lista a franquia como um serviço sujeito a incidência do ISSQN, os
Municípios tem previsto a tributação dos valores decorrentes de tais
contratos pelo imposto municipal.
Ocorre que a Lei Complementar nº 116/2003, ao elencar no item 17.08 de sua Lista de Serviços a Franquia, é flagrantemente inconstitucional, por afrontar o disposto no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, que limita a incidência do imposto municipal sobre serviços.
As demais, a lei ofende o artigo 110 do Código Tributário Nacional
que veda a alteração da definição, do conteúdo e do alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, mencionados no texto
constitucional.
À Lei Complementar
competiria, tão somente, definir quais os serviços sujeitos ao ISSQN,
com observância à materialidade do imposto, não podendo elencar
obrigações que não se caracterizam como uma efetiva prestação de
serviços.
Corroborando com o
entendimento externado acima cumpre transcrever abaixo ementas de
julgados proferidos pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, em que restou assentado nos votos que a franquia é um contrato de
natureza complexa, fundamentalmente uma cessão de direito de uso de
marca, não se subsumindo ao conceito constitucional de serviços
tributáveis pelo ISSQN:
"Ação
declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária. Apesar de
constar da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 (itens 10.04 e
17.08), o contrato de franquia (franchising) não está sujeito à
incidência de ISSQN. Incidente de inconstitucionalidade julgado pelo
Órgão Especial deste Tribunal de Justiça. Reforma da sentença de
improcedência. Dá-se provimento ao recurso." (18ª Câmara de Direito
Pública, Relatora: Des. Beatriz Braga, Apelação nº
0126361-25.2008.8.26.0053, data do julgamento: 29/08/2013)
"AÇÃO ORDINÁRIA -
ISS - Exercício de 2004 - Município de São Paulo - Franquia -
Tributação com base no item 17.08 da lista trazida pela LC nº 116/03 -
Descabimento - Atividade que não envolve efetiva prestação de serviços -
Afronta ao artigo 156 III da CF - Inconstitucionalidade vislumbrada -
Aplicação da Súmula Vinculante nº 10 do STF e do artigo 657 do anterior.
Regimento Interno desta E. Corte - Julgamento suspenso, com a remessa
dos autos ao C. Órgão Especial para análise da questão, o qual já
declarou essa inconstitucionalidade - Prevalência do entendimento da d.
Turma Julgadora - Procedência do pleito inicial nesta instância, com a
inversão do ônus da sucumbência - Sentença reformada - Apelo provido."
(15ª Câmara de Direito Público, Relator: Des. Silva Russo, Apelação nº
0069688-45.2006.8.26.0000, data do julgamento: 20/09/2012)
Assim, resta evidente a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 116/2003ao
trazer em seu item 17.08 de sua anexa Lista de Serviço a Franquia como
sendo um "serviço" sujeito a incidência do ISSQN, ofendendo
flagrantemente o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal.
Importante destacar
que por se tratar de matéria constitucional cabe ao Egrégio Supremo
Tribunal Federal reconhecer e declarar a alegada inconstitucionalidade, o
que será apreciado pelo órgão com o julgamento do Recurso
Extraordinário nº 603.136/RJ, em que foi reconhecida a Repercussão
Geral.
Rafaela Sabino Caliman Wild Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). | |||
| Fonte: FISCOSOFT |